Edição #11

Salário de um devedor ainda é impenhorável?

Marcelo de Brito Almeida

Marcelo de Brito Almeida

Em tempos de crise, há muitas dúvidas de pessoas físicas e jurídicas que possuem ações na Justiça há anos e não conseguem receber qualquer quantia pelo fato de o devedor não possuir qualquer bem penhorável, tampouco qualquer valor disponível em conta-corrente. Se o devedor trabalha formalmente ou ainda que informalmente e aparenta ter condições de pagar pelo menos parte da dívida, o questionamento é: o seu salário pode ser penhorado?

Num primeiro momento, a resposta é que o salário realmente é impenhorável, ou seja, não é possível bloquear qualquer valor do salário do devedor (com exceção do pagamento de pensão alimentícia). No entanto, com o Novo Código de Processo Civil e com alguns julgamentos “pipocando” em tribunais, a regra começa a ser interpretada de uma forma “mais branda”. O Novo Código diz ainda que são impenhoráveis os salários, porém, em casos em que a pessoa recebe mais de 50 salários mínimos mensais, haverá penhora do valor recebido como salário ou qualquer remuneração, saindo da exceção da total impenhorabilidade.

Logicamente que uma pessoa receber R$ 44 mil mensais e não pagar sua dívida é algo raro, mas esse artigo faz com que se “abra o leque” para que os advogados tentem argumentos, via Poder Judiciário, em casos nos quais, dependendo da situação (se o devedor ostentar riqueza, mantiver padrão de vida razoável e tiver remuneração comprovada), a regra de total impenhorabilidade comece a mudar e haja penhora de salário, independentemente do valor limite de 50 salários mínimos.

Nesse sentido, ainda que seja tão-somente salário, começa a ganhar força a penhora de parte desse valor. O percentual geralmente deferido é de 30% por mês do montante recebido pelo devedor.

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Logicamente que uma pessoa receber R$ 44 mil mensais e não pagar sua dívida é algo raro

O Tribunal de Justiça do Paraná, em decisão de vanguarda, já vem adotando esse posicionamento em ações que tramitam nos Juizados Especiais Cíveis ou “pequenas causas”, com uma decisão que serve de parâmetro para todos os processos do estado: “Enunciado N.º 13.18 – Penhora – conta-salário: Não existindo outros bens a satisfazer o crédito exequendo, possível a penhora de conta-salário no limite de 30%”.

Em ações trabalhistas, da mesma forma, a impenhorabilidade de salário também vem tornando-se relativa, desde que não haja prejuízo à subsistência do devedor e também determinada penhora de valor salarial, ainda que seja aposentadoria. Recentemente, este foi o entendimento adotado pela Seção Especializada em Execução do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) em um processo que envolve empresas de calçados de Taquara, na região metropolitana de Porto Alegre.  A discussão foi suscitada por um dos sócios das empresas que teve o valor aproximado de R$ 8 mil bloqueado em sua conta-corrente para pagamento de um processo trabalhista ajuizado na década de 90. Conforme suas alegações, o dinheiro era fruto de sua aposentadoria e, portanto, não poderia ser bloqueado para posterior penhora.

Entretanto, segundo o juiz de Taquara, o saldo anterior da conta-corrente do sócio era de aproximadamente R$ 24 mil, o que denota o recebimento de recursos de outras fontes além da previdenciária. Como observou o magistrado, o valor mensal da aposentadoria girava em torno de R$ 800. O juiz afirmou que o sócio não conseguiu comprovar que os recursos existentes na conta-corrente tinham origem exclusivamente previdenciária e manteve a penhora dos R$ 8 mil, determinando que o restante permanecesse com o devedor.

Como se vê, cabe ao cidadão continuar com sua crença na Justiça, ainda que o trâmite processual possa ser lento. Com o processo eletrônico existe mais rapidez na tramitação e, somada às mudanças na legislação e aos entendimentos de juízes e desembargadores, intensifica-se a tentativa de não deixar que o “devedor esperto” consiga safar-se do pagamento da sua dívida. Ou seja, vale ainda o ditado: “A Justiça tarda, mas não falha”.

Marcelo de Brito, advogado, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil

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