Amyr Klink: Reflexões do navegador sobre a falta de estrutura e profissionalismo do turismo no Brasil
Por Andréa David
A travessia a remo do Oceano Atlântico realizada pelo brasileiro Amyr Klink completará 32 anos em setembro. A ligação dele com o mar começou como uma curiosidade, tornou-se uma paixão e, hoje, é um misto de prazer com trabalho. Sua experiência no assunto envolve uma marina que ele administra em Paraty com capacidade para 300 embarcações.
Uma das grandes bandeiras do navegador atualmente é mostrar como o Brasil está perdendo tempo, dinheiro e turistas ao não explorar a navegação em geral e seu sistema hidroviário. Uma atividade que pode ser altamente lucrativa é o aluguel de barcos (chamado de charter). Seria um negócio capaz de gerar outros, movimentar cidades, pontos turísticos e até hotéis, que ganhariam com parcerias e promoções.
Amyr quer que o país navegue para bem longe da mesmice e descubra novos caminhos para transformar o turismo numa indústria tão competitiva quanto a automobilística. Para isso ele defende o desenvolvimento do turismo que valorize as diferenças locais e de experiências. “O turista quer ter uma história para contar quando voltar e, principalmente, quer ter vivido uma experiência aonde ele tenha sido protagonista”, ressalta.
Com muita determinação e coragem, a história do Amyr Klink é inspiradora para homens e mulheres, por isso ele é hoje um dos mais requisitados palestrantes brasileiros. A seguir, a entrevista exclusiva para a Revista ACIFI.
Revista ACIFI: Como você avalia a exploração da atividade turística no Brasil?
Amyr Klink: Somos puramente extrativistas. A gente faz um turismo de coleta, sem programação, sem estratégia, sem desenvolver ativos e destinos; simplesmente capturando o turista que passa. A atividade turística de navegação no Brasil, que é a minha atividade, é totalmente incipiente ainda. Felizmente, Foz do Iguaçu é um caso especial. Na marina que tenho no Rio de Janeiro, com 300 embarcações, tem um número grande de barcos do exterior que vêm para o Brasil e a primeira atividade deles é visitar Foz do Iguaçu. Quer dizer, eles chegam em Paraty, fazem o trâmite de imigração, a primeira coisa que eles fazem, vão pra Foz do Iguaçu. Mas a gente percebe que não há nenhuma estratégia por parte do Brasil de desenvolver ativos diferenciados de turismo.
Revista ACIFI: A Marina do Engenho, onde você aluga espaço para 300 embarcações, é o seu negócio mais rentável hoje?
Amyr Klink: De uns anos para cá, essa atividade de trabalhar com embarcações começou a crescer. Descobri uma atividade que é virtuosa e que emprega muita gente. A minha empresa de embarcações não tem 20 funcionários, só que dentro do meu negócio, na minha marina, trabalham 600 pessoas que ganham mais que gerente de banco. A gente dá muita oportunidade qualificando as pessoas. Essa atividade náutica de receber as embarcações é uma atividade que depende de profissionais de várias áreas. Principalmente de profissionais que estejam disponíveis no local onde estão os barcos. Ou seja: é uma atividade que tem um impacto social e econômico extremamente importante, porque é um impacto sobre a economia local. Esse é um negócio que demanda profissionais na área de gastronomia, eletrônica, mecânica, decoração, hidráulica, materiais, profissionais na área de turismo e que saibam servir. Porque esses profissionais, a gente forma no lugar onde a gente está, não tem sentido trazer de fora. E essa atividade no mundo inteiro é vista como uma atividade que fomenta outras atividades do setor turístico e econômico, e no Brasil ela simplesmente não é conhecida. Comecei com dificuldade e ainda tenho dificuldade em expandir negócio porque o Brasil é muito burocrático. O país aproveita mal o potencial que tem para o turismo náutico. O Brasil não possui nenhum projeto de readequação e reestruturação portuária voltado para o uso das embarcações. Também tenho muita dificuldade em convencer outros empresários a investir nesse mercado. Mesmo assim sou confiante e um entusiasta.
Revista ACIFI: Como alavancar o turismo pelo mar e rios no Brasil?
Amyr Klink: O país ainda tem muito a crescer na atividade náutica. Só no Rio de Janeiro era para termos um faturamento de mais de R$ 20 bilhões por ano. Você não tem como alugar um barco no Brasil e fazer um programa customizado. Você vai em qualquer represa brasileira, não tem uma base de locação de embarcações. Os hotéis da região não criam essa possibilidade para agregar valor no serviço que eles oferecem. Você vai ao litoral do Rio de Janeiro ou na própria cidade do Rio de Janeiro num fim de semana, não tem charter [aluguel de barcos], não tem uma única embarcação saindo, não tem uma pranchinha para alugar, um caiaque… E aí os operadores de turismo esquecem que a atividade charter no mundo é tão importante quanto a atividade hoteleira.
Revista ACIFI: Você já disse que o Brasil virou as costas para o mar. Como resolver isso?
Amyr Klink: É preciso investir em infraestrutura e acabar com essa visão de que a atividade náutica é coisa de rico, elitista. Na Europa, não é “feio” ter um barco de luxo. Mas por quê? Porque é um ativo econômico, que gera muito turismo e emprego para um número grande de pessoas.
Revista ACIFI: Há muito trabalho ainda pela frente, não?
Amyr Klink: O Brasil não tem padronização de acessos e sinalização nas cidades e nem nas estradas, não tem moto e nem barquinho para alugar, não tem programas específicos para clientes específicos, não tem hotelaria de charme, não tem orientação gastronômica, não tem atendimento que fala inglês, francês, alemão; cada um faz do seu jeito. O que a gente consegue fazer em termos turísticos hoje ainda é muito malfeito. O atendente do hotel não conhece a história do lugar, o garçom não conhece as tradições gastronômicas e as atrações do destino. Existe uma dificuldade muito grande de customizar um programa porque as agências vendem no atacado os produtos turísticos. É uma análise triste por um lado, mas otimista de outro. O que eu quero dizer é que tudo isso é um dado muito positivo se houver maior interesse da gente transformar de fato o turismo numa indústria. O que eu posso dizer com os números que eu tenho é que na minha atividade de gestão de frotas de embarcações, nós estamos para baixo do zero. E essa é uma atividade que em números pode representar muito mais do que toda a mineração no Brasil. É um absurdo uma cidade como Mariana, que é um sítio histórico, depender 90% da arrecadação de uma empresa criminosa. É puro extrativismo. Paraty é uma cidade histórica, e nós não temos minas nem nada, e a gente vive melhor que o pessoal de Mariana. Então por que a gente precisa da Samarco? Por que a gente precisa de uma mineradora? Não precisa. Para que vender minério barato? Então, no instante que a gente olhar o turismo como uma indústria de ponta, uma indústria de suporte da economia do país, aí sim vamos fazer coisas interessantes.
Revista ACIFI: Como reverter isso?
Amyr Klink: Primeiro, o brasileiro tem que aprender a falar mais duas línguas. O espanhol e o inglês, para começar. Segundo, temos que identificar não o potencial turístico que a gente tem, mas os diferenciais turísticos, porque não adianta querer vender só praia no Nordeste. Aliás, o litoral brasileiro não é o mais bonito do mundo, desculpa, mas as praias da África do Sul são muito mais. Nós temos um conjunto valioso que envolve cultura local, natureza, praia, ativos históricos. A gente tem um potencial muito grande que ainda não foi descoberto.
Revista ACIFI: O turista hoje quer menos contemplação e mais experiência. Como trabalhar isso?
Amyr Klink: A tendência do turismo de contemplação, ou o turismo de massa, é de desaparecer. O futuro do turismo é o turismo de experiências. Por exemplo, um turismo de experiência é você poder fazer uma expedição ao monte Roraima, que é maravilhoso, ou fazer uma expedição no centro de São Paulo ou do Rio de Janeiro, que pode ser uma experiência mais maravilhosa ainda.
Revista ACIFI: Mas como é que se transforma uma expedição urbana num atrativo turístico inesquecível?
Amyr Klink: Precisa inteligência para isso. Precisa sensibilidade. Precisa reconhecer os diferenciais e identificar os pontos importantes. O nosso erro é que a gente sempre tenta copiar o modelo americano ou o modelo europeu, num resort de beira de praia. E não é esse o turismo que a gente precisa. A gente precisa de um turismo que valorize as diferenças locais. Alguns lugares do Brasil dão exemplos interessantes. Bonito, no Mato Grosso do Sul, é um deles, assim como Foz do Iguaçu. Gosto muito de vir para cá. Paraty está fazendo errado, está transformando uma região delicada em destino de turismo de massa. A cidade de Cunha, no interior do estado de São Paulo, por exemplo, é uma cidade onde os pequenos produtores estão tendo estímulo para valorizar queijos diferentes, plantações de lavanda, esculturas japonesas, que hoje só em Cunha tem; no Japão não tem mais. Então quer dizer, identificaram diferenciais muito especiais, e vem gente do mundo inteiro para ver isso. A gente tem que fazer isso em escala continental.
Revista ACIFI: O grande desafio para o Brasil é fazer produtos de turismo?
Amyr Klink: Você proporcionar experiências em termos de turismo é muito mais interessante do que você simplesmente levar o cara para dormir num bom hotel e comer num bom restaurante. Não é só isso que ele quer. Ele quer ter uma história para contar quando voltar. Ele quer ter passado por uma experiência aonde ele tenha sido protagonista, não simplesmente passageiro. E eu acho que é essa visão que o empresário de turismo no Brasil ainda não tem. A gente tem potencial para fazer produtos muito mais do que simplesmente hospedar e alimentar. Onde você de fato proporciona experiências onde o turista vai sair extasiado e ele vai contaminar os seus pares, os seus próximos, para que venham pra cá passar por experiências semelhantes. Acho que essa é a visão que está faltando hoje, mas eu só falo essas coisas para que as pessoas compreendam que o turismo pode sim ser uma área de atividade econômica tão importante para o país quanto o petróleo. Está na hora de mudarmos essa visão em relação aos diferenciais que a gente tem de uma maneira integrada. Outra coisa interessante do Brasil é a diversidade. Tem vários biomas e vários ecossistemas aqui.
Revista ACIFI: Você já disse que é contrário à Rio 2016. Por quê?
Amyr Klink: Sou totalmente contra as Olimpíadas no Brasil. Vamos ter condição de sediar eventos internacionais de grande porte quando a gente tiver uma estrutura que não precise ser implementada num esforço bélico por parte do governo, quando a gente simplesmente estiver pronto para receber, e nós não estamos prontos para receber. Sem contar que as obras das Olimpíadas são absolutamente recheadas de corrupção e de acabamento de segunda. Provavelmente a gente vai dar um jeito e vai receber muito bem. Agora, depender de eventos pontuais de grande porte também é uma pobreza de espírito, é uma forma de oportunismo que não me agrada nem um pouco. O que a minha cidade vai ganhar com a Olimpíada no Rio de Janeiro? Absolutamente nada. Eu sei que os caras que vão para o Rio de Janeiro vão querer um pouco de paz e segurança em Paraty. Vamos recebê-los muito bem e vamos inclusive ganhar bastante dinheiro com eles, mas a gente ganha bastante dinheiro também com turistas que vêm ao longo do ano inteiro. Da Escócia, do Japão, da França, da Alemanha, da Áustria, da Noruega, da Finlândia… Então é uma visão oportunista de país de terceiro mundo dizer que um grande evento é a salvação e que vai melhorar socialmente o país, porque não vai.